“Força na peruca! Família unida com o senhor! Lembre-se: já venceu!”
Esta foi a mensagem que o senador cassado, Demóstenes Torres, recebeu de sua afilhada no dia da votação da sua cassação. Tudo muito bonito se não fosse um problema: a garota está confortando um político indecoroso, fantoche no congresso de um contraventor (Carlinhos “Cachoeira”).
Este é um dos problemas na mentalidade do ser humano. Temos laços tão fortes (por interesse ou apenas afetivos) com certas pessoas, que iremos defendê-las mesmo ante as mais pesadas e inequívocas acusações. A mensagem da afilhada mostra uma família que não quer saber se o senador quebrou o decoro ou não: para ela, Demóstenes continua sendo um exemplo de funcionário público, mesmo tendo as gravações dos áudios telefônicos confirmado exatamente o oposto.
É uma mentalidade egoísta típica do brasileiro. Todos querem leis mais duras e severas, mas NINGUÉM quer se submeter a elas. Pergunte para alguém que estaciona na vaga de deficiente físico se ele acha justa a lei que reserva vagas. Pergunte para alguém parado por dirigir alcoolizado se ele acha justo ser preso por conduzir um veículo estando embriagado. Todos querem mais polícia nas ruas, mas veja a revolta de quem é parado por uma blitz ou em um posto da polícia rodoviária. Afinal, a lei e a aplicação desta não é para todos? Por que com você tem que ser diferente? Há alguns casos bem emblemáticos para exemplificar o que quero dizer.
O cantor Agnaldo Timóteo, então vereador de São Paulo, estacionou o carro em local proibido e, ao se ver multado por Evaldo Gomes dos Santos Filho, ligou para o 23º Batalhão para denunciar o guarda. “O comandante Soares (na época comandante do referido Batalhão) mandou que eu liberasse o carro e eu disse não. Mantive a multa e fui repreendido”, lembra.
Em uma ronda em 2002, a guarda Rosimeri Dionísio começou a multar os oito veículos estacionados irregularmente na Rua Lacerda Coutinho, em Copacabana. Entre eles, o Golf verde pertencente ao filho do desembargador Eduardo Mayr, da 7 Câmara Criminal. Ao fazer cumprir a lei, a guarda municipal acabou recebendo uma punição inusitada: foi parar na delegacia e autuada depois de multar o carro do filho de um desembargador e mais sete veículos estacionados em local proibido. O desembargador alegou desacato a autoridade e abuso de poder para fazer o registro de ocorrência na polícia. Mesmo com a péssima repercussão da atitude do desembargador, ele ainda foi homenageado num ato de desagravo que reuniu 280 juízes e desembargadores na Escola de Magistratura.
Recentemente, a desembargadora Iara Castro e a filha Roberta Sanches de Castro, advogada(foto acima), voltavam de um show quando foram paradas pela Polícia Militarem uma blitz da Lei Seca na Avenida Paulista. Segundo os policiais, que não quiseram gravar entrevista, a advogada teria se recusado a fazer o teste do bafômetro. Durante a discussão, gravada no celular por um PM, ela teria chamado a blitz de palhaçada e perguntado aos policiais se eles sabiam com quem eles estavam falando. “Eu tinha me recusado a fazer o teste porque eu acho que é uma arbitrariedade”, disse Roberta. Ou seja, típica mentalidade de quem não aceita que a lei seja aplicada a ela, apenas aos outros.
Esperamos ver um mundo melhor, mais justo, mais seguro, mais civilizado. Contudo, parece que ninguém quer ser o agente ativo desta transformação. Todos esperam que os outros se submetam às leis, joguem lixo no local certo, falem baixo no cinema, etc. Quando chega a nossa hora de escolher entre uma vaga mais distante ou estacionar naquela reservada à idosos, mandamos um belo de um “foda-se” e transgredimos, como se a lei não valesse para nós, como se fôssemos superiores, como se nosso pequeno delito não fosse tão grave assim.
Este comportamento vai de encontro ao que alguns psicólogos sociais chamam de “efeito mais-sagrado-que-vós”. Eles há muito sabem que as pessoas tendem a ser otimistas demais a respeito de suas próprias habilidades e sucessos – com o objetivo de superestimar sua colocação na sala de aula, sua disciplina, sua sinceridade. Todavia, essa propensão ao auto-orgulho pode ser ainda mais forte quando se trata de julgamento moral. As pessoas superestimam sua disposição em fazer o considerado moralmente correto, seja doar à caridade, votar ou ajudar um estranho. Enquanto isso, elas avaliam os outros como sendo piores em relação a si próprias, mas experimentos comprovam que a maioria “falha” em situações que exijam virtudes.
Autor: Eduardo Patriota Gusmão Soares / fonte e matéria completa: Bule Voador.
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